A treta Musk x Gates: quando o “verde” vira trade
O caso mais didático dessa contradição recente é a rusga entre Elon Musk e Bill Gates.
Em 2022, vazaram prints de mensagens de texto entre os dois. Bill Gates procurou Musk para discutir uma possível parceria filantrópica em projetos de clima. Elon respondeu perguntando se ele ainda tinha uma posição vendida (short) contra as ações da Tesla, algo em torno de meio bilhão de dólares. Gates admitiu que ainda não tinha zerado a operação.
Foi aí que veio a frase que correu o mundo. Musk escreveu algo como:
“Desculpa, mas não posso levar a sério a sua filantropia sobre mudança climática enquanto você tem uma posição short massiva contra a Tesla, a empresa que mais faz para resolver a mudança climática.”
Ou seja: de um lado, Gates assina artigos, livros e projetos filantrópicos defendendo investimentos em tecnologias limpas; de outro, estava literalmente apostando contra a montadora de carros elétricos que virou símbolo da transição energética.
Reportagens da Bloomberg e de veículos econômicos mostraram que, segundo Musk, essa posição vendida começou em cerca de US$ 500 milhões e, com a alta da ação, teria crescido para algo entre US$ 1,5 e 2 bilhões para ser fechada.
Gates, por sua vez, tentou despolitizar o tema. Em entrevistas, disse basicamente que:
- Shortear Tesla seria apenas um investimento,
- Que isso não significaria ser “anti-Tesla”,
- E que ele, pessoalmente, colocaria “muito mais dinheiro” em projetos de clima do que o próprio Musk.
Mas, para a opinião pública, a imagem que ficou foi outra: o grande filantropo climático tentando ganhar dinheiro com a queda da principal empresa de carros elétricos do mundo.
Musk surfou essa percepção. Em entrevista e no Twitter, ele cravou a linha narrativa: “não dá pra salvar o planeta e, ao mesmo tempo, shortear Tesla”, como registrou a Reuters em matéria sobre o embate e a discussão com investidores ESG.
Não se trata aqui de santificar Musk (a Tesla também é alvo de múltiplas críticas trabalhistas e regulatórias).
Mas o caso é perfeito pra mostrar a lógica do “capitalismo verde de fachada”: o mesmo sistema financeiro que exibe relatórios ESG lustrosos segue operando com a velha lógica de aposta especulativa, inclusive contra aquilo que diz defender.
Artistas e jatinhos: o “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”
Do lado do show business, a história se repete com outra roupagem.
Leonardo DiCaprio virou rosto global do ativismo climático: discursos na ONU, documentários, campanhas. Mas a imprensa internacional já registrou várias vezes o contraste entre esse discurso e seu estilo de vida movido a jatinhos e iates. Em 2016, jornais como The Telegraph e Quartz relataram que DiCaprio pegou um voo privado transatlântico de 8.000 milhas apenas para receber um prêmio ambiental em Nova York, retornando logo depois a Cannes.

Análises como a da Vox estimaram que o estilo de vida do ator poderia gerar emissões centenas de vezes superiores à média de um cidadão dos EUA, justamente enquanto ele conclamava o mundo a “trabalhar junto” contra o aquecimento global.
Mais recentemente, Kylie Jenner foi chamada de “climate criminal” por tabloides e portais de entretenimento, depois que seu jatinho de luxo fez 11 voos em duas semanas, emitindo mais de 160 toneladas de CO₂ – no meio de incêndios florestais na Califórnia.
O roteiro é sempre o mesmo: post no Instagram sobre “rezar pelas vítimas”, link para doação, discurso sobre “consciência ambiental”… e, nos bastidores, um padrão de consumo de carbono que uma pessoa comum não conseguiria atingir em várias vidas.
E não é só Hollywood. Até na aristocracia climática temos exemplos recentes: o príncipe William, que promove o prêmio ambiental Earthshot, foi criticado por voar cerca de 8.800 km num jato para receber um prêmio climático no Brasil, gerando manchetes sobre “aproveitar jatinhos privados enquanto fala em reduzir pegadas de carbono”.
Políticos também surfam o greenwashing
Nem só de artistas e bilionários do Vale do Silício vive a hipocrisia climática. A política tradicional também sabe vestir o figurino verde quando convém.
Em Nova York, a governadora Kathy Hochul, apontada em reportagens como grande promotora de políticas climáticas no estado, foi criticada por ter gasto mais de US$ 400 mil em voos de jato privado desde 2021, pagos pelo seu comitê de campanha. Isso enquanto defendia leis rigorosas para responsabilizar empresas de combustíveis fósseis e reduzir emissões.

O problema não é o fato isolado de um voo ou outro – política e diplomacia de alto nível vão continuar emitindo carbono. O problema é a disparidade obscena entre o discurso moralizante dirigido à população (“consuma menos”, “mude seus hábitos”) e o comportamento real das elites, que seguem vivendo como se tivessem um planeta sob medida.
O que essa hipocrisia revela?
Histórias como:
Gates shorteando Tesla enquanto vende a imagem de investidor climático exemplar,
Celebridades lotando o feed de mensagens ecológicas enquanto seus jatinhos decolam como ônibus…
Políticos aprovando leis verdes enquanto cruzam o país em aviões particulares…
têm um ponto em comum: o clima vira marketing, não compromisso.
A mensagem implícita é perigosa: “nós continuamos com nosso estilo de vida ultra intensivo em carbono, vocês fazem a parte de vocês reciclando, plantando árvore e pagando mais caro na conta de luz em nome da transição”.
Quando Musk diz que não dá pra “salvar o planeta e shortear Tesla ao mesmo tempo”, ele toca numa ferida real – mesmo sendo ele próprio uma figura controversa.
Não é só sobre uma briga de egos entre bilionários: é sobre a lógica de um sistema que transforma até a crise climática em ativo financeiro e capital reputacional.
Num mundo em que a conta da crise ambiental cai primeiro sobre os mais pobres, apontar essa hipocrisia não é moralismo – é política. Porque enquanto o debate fica preso em discursos vazios de celebridades e bilionários, as decisões estruturais (matriz energética, subsídios, regulação de jatinhos e megaiates, taxação da riqueza e do carbono de luxo) seguem intocadas.
Se o clima é, de fato, a grande pauta do século, ele não pode ser terceirizado para o marketing verde dos muito ricos. Coerência não é perfeição individual – é alinhar interesse privado, política pública e limite planetário. O resto é só mais um discurso bonito a bordo da primeira classe.
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